O primeiro Manjar Branco a gente nunca esquece
Durante alguns dias escutei a minha irmã dizer que estava com vontade de comer Manjar branco. Em outras palavras, significa que ela gostaria que a Nina preparasse o tal do manjar. Fingi que não compreendi a indireta.
Aprendi a fazer doces com a minha madrinha. Adorava ir para a casa dela e "ajudar" a cozinhar Pudim de leite, Pudim de leite condensado, Bolo de laranja, Nega Maluca, Brigadeiro, Bala de coco, Creme de chocolate e outras maravilhas da infância. Recordo que as minhas primeiras funções foram: abrir os pacotes de açúcar, farinha de trigo, medir fermento, leite, apertar o botão do liquidificador. Com o tempo, passei a bater as claras em neve e chantilly, misturar a massa de bolo, etc. Mas ainda ficava longe do forno/fogão por precaução.
Minha avó paterna gostava de uma "bagunça na cozinha" com as netas mais velhas. Quando chegava em sua casa, no fim de semana, e encontrava carne moída refogada e queijo cortado, eu tinha certeza que faríamos Pastel. Abria a massa, cortava, recheava e fechava. Lá, podíamos manipular facas e carretilhas. Depois subíamos em uma cadeira disposta na frente do fogão e fritávamos os pastéis. Nunca aconteceu nenhum acidente. Criança tem um anjo da guarda imenso e forte. Avó, deve ter anjo da guarda maior ainda!
Lógico que quando chegava em casa, queria preparar minhas empreitadas sozinha. A falta de estatura, coordenação motora fina e prática na cozinha, atrapalhavam. Lembro de preparar os meus primeiros bolos (seguindo as receitas da minha tia e avó à risca), colocar no forno e ficar vigiando. Sempre chamava minha mãe para ver se já estava assado. Ficava naquela ansiedade.
Quando eu era criança, os livros de receitas e revistas de cozinha não eram suficientes para as minhas dúvidas: o bolo deve assar até dourar quanto? o creme deve engrossar até que ponto? espalhar o glacê sobre o bolo quente na forma ou desenformado? a mousse deve ser desenformada quando? Onde se compra colher medidora?
Perdi a conta de quantos pudins espatifados, bolos que explodiram no forno de tanto fermento, bolos que ressecavam de um lado só, bolos que não cresceram, mousses moles e cremes talhados.
Cursos de cozinha? Não existiam. Naquela época, o bolo de aniversário era feito pela tia prendada ou pela boleira. Acho que o termo cake designer nem existia.
Mesmo com todos os tropeços, eu não desisti. Talvez pela teimosia, talvez pela curiosidade de aprender o certo. Só sei que minha irmã nunca se interessou pela cozinha (mas adora comer, ufa!).
O que pode ser considerado simples de confeccionar para alguns, pode ser cheio de mistérios culinários para outros.
Depois de perceber que eu não faria o Manjar branco, apareceu com os ingredientes em casa (após perguntar algumas vezes quais seriam os ingredientes necessários).
Concentrou-se. Certificou-se de que todos os ingredientes estavam na mesa (mise-en-place, mise o quê?, Nina, fala a minha língua!), untou a forma com óleo, ligou a balança, pesou o açúcar refinado (135g) e o amido de milho (60g), misturou com fouet (mas antes olhou com uma expressão interrogativa - eu disse: o amido pode empelotar ao agregar o líquido, misturando com açúcar, ajuda a evitar), uniu o leite de coco (300g), aos poucos, mexendo com fouet, uniu o leite integral A (825g) e o coco ralado (50g). levou tudo ao fogo baixo, mexendo sempre. A panela começou a esquentar, ela pegou luva térmica para segurar. Misturou com vigor. Disse para apenas misturar, sem força, sem se cansar. Engrossar até quanto? Até cozinhar o amido, borbulhar e engrossar o suficiente para a colher deixar o "rastro pelo creme". Verteu na forma e alisou o creme. Amornou e gelou. A calda foi feita apenas com açúcar e água, sem ameixas, ao gosto da irmã. Quando posso desenformar? Quando ficar bem firme, umas quatro horas. Como desenformo? Passa esta espátula em volta (inclusive no centro), verifica se soltou, apoie um prato em cima e vire.
Dia seguinte, a feliz irmã se exibiu com o primeiro Manjar branco!
Duas semanas atrás, havia feito Manjar com meus alunos. Só que eles precisaram retirar o leite de coco do coco in natura. Retirar a casca, ralar, liquidificar com água morna e coar com pano. Se é para ensinar Confeiteria Brasileira, então precisamos começar do começo.
É nesses momentos que me recordo de quando comecei a cozinhar....
Dúvida sobre os pesos e medidas dos ingredientes? Clique aqui.
Postado por Nina Moori.
Comentários
Lindo texto...emocionante...
Bj,
Bergamo
Podem existir maravilhas na patisserie francesa mas este manjar de côco feito em casa por mãe ou avó, tem sabor único e não substituivel. Ah, também eu fiquei com vontade de provar um!
Pra sua irmã: parabéns, ficou bem bonito e fez bem em comer metade sózinha! para o próximo ano, o que planeja fazer? ;-)
E Nina, acabei trocando minha balança analogica pela digital, e vou poder seguir melhor as suas receitas: agora estou ok!
E estarei um tantinho sumida sò pq estou a ponto de fazer uma viagem de 3 meses.
Por isto, lhes deixo um abraço, por agora.
Bjs!
Beijos
Todas aquelas lembranças da nossa infância sempre estarão presentes na nossa memória e compõe a base do nosso paladar. DEsde a escolha dos grãos de feijão até um doce como Manjar.
bjo,
N.
Abraço
Fábio
O manjar francês é feito com leite de amêndoas, leite integral, açúcar e gelatina incolor. O primeiro doce neste estilo que conheço era gelatinizado com o colágeno de frango clarificado. Pode parecer estranho, mas o sabor nada lembra o sabor da ave.
Não acho errado referir-se ao produto feito com leite de côco e gelatina como um manjar. Mas se quiser, pode chamar de Panna cotta de côco. Depende do contexto.
abs,
N.
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